O que é comportamento psicótico?

psicopatia
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 B. F. Skinner.

Publicado em: 07/02/2002

Uma vez que minha área de especialização está situada a uma certa distância da psiquiatria, é conveniente que inicie com a apresentação de credenciais. A primeira será negativa. No sentido em que o título deste artigo é em geral entendido, estou completamente não habilitado para discutir a questão proposta. O número de horas que transcorri na presença de sujeitos psicóticos (supondo que eu próprio seja são) é negligenciável comparado com o que uma boa parte dos leitores poderá apresentar;  e o tempo que dediquei a leituras e discussões pertinentes poderia ser qualificado do mesmo modo em termos da mesma comparação. Estou presentemente interessado em determinadas pesquisas com sujeitos psicóticos, as quais me referirei mais tarde, mas minha associação com esse programa de modo algum me identifica como um especialista.

Felizmente não estou aqui para responder à pergunta sob esse ponto de vista. “O que é comportamento? – com uma referência à psiquiatria ” constituiria um titulo mais adequado. Aqui posso apresentar algumas credenciais positivas como parece apropriado. Dediquei uma boa parte da minha vida profissional à análise experimental do comportamento dos organismos. Quase todos os meus sujeitos estavam situados abaixo do nível humano (a maior parte deles ratos e pombos ) e todos, até onde posso julgar, estavam sãos. Minha pesquisa não foi planejada para testar nenhuma teoria do comportamento, e os resultados não podem ser avaliados em termos de significação estatística de tais provas. O objetivo consistia na descoberta de relações funcionais existentes entre aspectos mensuráveis do comportamento e condições e eventos diversos da vida do organismo. O sucesso de tal empreendimento pode ser avaliado pela extensão em que possível, de fato, prever e controlar o comportamento, como resultados das relações descobertas. Nesse ponto, acho eu, tivemos muita sorte. Utilizando um planejamento experimental limitado, meus colegas e eu fomos capazes de demonstrar que o comportamento obedece a leis, o que nos parece bastante notável. Em pesquisas mais recentes foi possível manter – e, de fato, desenvolver – o alcance dessa descoberta à medida que era lentamente aumentada a complexidade do comportamento estudado. A extensão de predição e controle alcançados está evidenciada não somente no “polimento das curvas” e uniformidade de resultados de indivíduo para indivíduo ou mesmo de espécie para espécie mas também na utilização prática já em andamento das técnicas – por exemplo, ao fornecer linhas de base para o estudo de variáveis neurológicas e farmacológicas ou ao converter um organismo inferior em sensível observador psicofísico.

Embora a pesquisa planejada desse modo tenha uma utilidade prática imediata, não é ela independente de um certo tipo de teoria. A primeira questão a resolver dizia respeito à seleção de uma medida útil e conveniente. Dentre os cem números de aspectos observáveis do comportamento, quais deveriam merecer nossa atenção? Quais se mostrariam mais úteis para estabelecimentos de relações funcionais? Em ocasiões diferentes, características diferentes do comportamento foram  consideradas importantes. Os estudiosos do assunto se preocuparam com a organização do comportamento, com sua adaptação ao ambiente, com sua capacidade de manter o equilíbrio homeostático, com sua intencionalidade ou com a sua capacidade de resolver problemas práticos ou ajustar-se à vida diária. Muitos deles interessaram-se especialmente por pela comparação  de um indivíduo com outros da mesma espécie, na base de alguma medida arbitrária  da amplitude, complexibilidade, velocidade, consistência ou outra propriedade do comportamento. Todos esses aspectos pode ser quantificados, pelo menos de maneira grosseira, e qualquer um deles pode servir de variável dependente numa análise científica. Mas não são todos eles igualmente produtivos. Na pesquisa que enfatiza a predição e  controle, a topografia do comportamento deve ser cuidadosamente especificada. O que está o organismo fazendo precisamente? O aspecto mais importante do comportamento assim descrito é a sua probabilidade de emissão. Qual é a probabilidade de um organismo empenhar-se num determinado comportamento e que condições ou evento altera essa probabilidade? Embora a probabilidade de ação só tenha sido explicitamente reconhecida recentemente na teoria do comportamento, trata-se de um conceito-chave ao qual inúmeras noções clássicas, desde a tendência a reações até os desejos freudianos, podem ser reduzidas. Experimentalmente, tratamos desse aspecto como a  freqüência  com que o organismos se comporta num determinado modo sob circunstâncias específicas de nossos métodos foram projetados para satisfazer esses requisitos. A freqüência da resposta provou ser uma variável notavelmente adequada e, por meio dela, a investigação dos fatores causais tornou-se altamente proveitosa.

Ninguém se empenha numa tarefa desse tipo por mero amor a ratos e pombos. Como está ilustrado pelas ciências médicas, o estudo de animais inferiores é determinados principalmente por conveniência e segurança. mas o objeto precípuo do interesse é sempre o  homem as qualificações que tenho para oferecer ao tratar da questão em foco derivam tanto do trabalho experimental acima mencionado quanto de preocupação paralela com o comportamento humano, no qual os princípios descobertos na análise experimental foram testados e utilizados na interpretação de fatos empíricos. As disciplinas formais da administração,  educação, economia, religião e psicoterapia, entre outras, juntamente com a nossa experiência diária com o homem, nos assoberbam com uma torrente de fatos. A interpretação destes fatos por meio  da formulação que emerge de uma análise experimental demonstrou ser um exercício vigoroso mas saudável. De modo particular, a natureza e a função do comportamento verbal  revelaram aspectos surpreendentemente novos e promissores quando reformulados dentro dos limites dessa nova estrutura.

A longo prazo, é evidente, a simples interpretação não é suficiente. Se chegamos realmente a um verdadeiro entendimento científico do homem, deveríamos ser capazes de provar por meio da predição e controle efetivos de seu comportamento. Os procedimentos experimentais e os conceitos que emergiram de nossa pesquisa com animais inferiores já foram estendidos nessa direção, não somente nos experimentos com sujeitos psicóticos já mencionados mas também em outras áreas promissoras. Descer a detalhes nos afastaria muito do nosso ponto; mas posso talvez demonstrar minha fé nas possibilidades envolvidas, arriscando a predição de que estamos no umbral de uma mudança revolucionária nos métodos da educação, baseada não somente numa compreensão melhor dos processos da aprendizagem mas também sobre uma concepção viável do próprio conhecimento.

Quer esta breve história pessoal me tenha ou não qualificado junto aos leitores para discutir a questão proposta, não há a menor dúvida de que criou uma grande probabilidade de que eu o faça, conforme o demonstra o fato de estar aqui. O que tenho para dizer é, segundo opinião geral de ordem metodológica. Posso compreender uma certa impaciência com tal discussão, particularmente quando, como é o caso da área de psiquiatria, tantos problemas clamam por ação. O cientista que utiliza parte do seu tempo para considerar parte da natureza humana, quando tantas coisas práticas precisam ser feitas para o bem-estar da humanidade, corre o perigo de ser comparado a Nero, tocando a rabeca – enquanto Roma arde. (É perfeitamente possível que o comportamento citado nesse mito tenha sido uma invenção dos historiadores e que, de fato, Nero tenha convocado seus filósofos e cientistas e estivessem discutindo “a natureza fundamental da combustão” ou a “a epidemiologia do incêndio”.) Mas eu não estaria aqui se achasse que o que tenho para dizer não envolve conseqüências práticas. Se estamos agora dando início a uma era de pesquisa em psiquiatria, que deverá ser tão ampla e tão produtiva quanto outros tipos de pesquisa médica, então um certo desprendimento de problemas imediatos, uma visão nova do comportamento humano em geral, uma discussão das formulações aplicáveis e um exame dos métodos relevantes podem vir a demonstrar medidas práticas efetivas com conseqüências surpreendentemente imediatas.

O estudo do comportamento está evidentemente em sua infância e seria precipitado supor que alguém possa prever a estrutura de uma ciência bem desenvolvida e bem sucedida. Certamente, nenhuma formulação atual parecerá correta daqui a cinqüenta anos. Mas, embora não possamos prever claramente o futuro, não é impossível descobrir em qual direção se fará provavelmente a mudança, Existem obviamente grandes deficiências em nosso modo atual de pensar sobre os homens; se não fosse assim, teríamos tido maior sucesso. O que são eles e como podem eles ser melhorados? O que tenho para dizer baseia-se na suposição de que o comportamento psicótico é simplesmente parte e parcela do comportamento humano; e que certas considerações que foram enfatizadas pela análise experimental e teórica do comportamento em geral merecem ser discutidas nessa área particular.

È importante lembrar que falo como um  cientista experimental. Uma concepção do comportamento humano, baseada principalmente na informação e práticas clínicas, diferirá indubitavelmente de uma concepção procedente de um laboratório. Isso não significa que uma seja superior à outra ou que finalmente uma formulação comum não possa vir a tornar-se útil a ambas. É possível que as questões levantadas pelas exigências de uma análise experimental possam não parecer de grande importância aos que estão principalmente interessados no comportamento humano em situação terapêutica. Mas, a medida que a psiquiatria  desloca-se mais rapidamente para a pesquisa experimental e que os resultados do trabalho em laboratório assumem uma maior significação clínica, determinados problemas na análise do comportamento deverão tornar-se comuns pesquisadores e terapeutas e poderão até mesmo receber soluções comuns e cooperativas.

O estudo do comportamento psicótico ou não permanece firmemente ao lado das ciências naturais, desde que consideremos como nosso objetivo de estudo a atividade observável do organismo, quando se locomove, permanece imóvel, toma objetos, empurra e puxa, produz sons, gestos e assim por diante. Instrumentos adequados nos permitirão ampliar atividades menor e como parte do mesmo objeto de estudo. Observar o comportamento de uma pessoa é o mesmo que observar qualquer sistema físico ou biológico. Também nós permanecemos dentro da estrutura das ciências naturais ao explicar essas observações em termos de forças de eventos externos que agem sobre o organismo. Alguns deles pertencem à história hereditária do indivíduo, incluindo o fato de ser ele membro de uma determinada espécie bem como sua dotação pessoal. Outros pertencem ao ambiente físico, passado ou presente. Podemos representar a situação como na Fig. 1.  Nosso organismo emite comportamentos que devemos explicar, nossa variável dependente, à direita. Para explicá-lo, utilizamos certas condições hereditárias e ambientais externas, geralmente observáveis e possivelmente controláveis, indicadas à esquerda. São elas as variáveis independentes; e o comportamento é expressado como função dessas variáveis. Tanto a entrada como a saída desse sistema podem ser tratadas dentro dos sistemas mensuráveis aceitos da física e da biologia. O conjunto completo de tais relações deveria permitir-nos predizer e, até aonde as variáveis independentes estão sob o nosso controle, modificar ou gerar comportamento à nossa vontade. Deveria também permitir-nos interpretar determinados exemplos de comportamento por meio da interferência de variáveis plausíveis sobre as quais não temos informação diretas. Concordam todos em que os dados são sutis e complexos e inúmeras condições relevantes são dificilmente alcançáveis, mas o programa como tal é perfeitamente aceitável do ponto de vista do método científico. Não temos nenhuma razão para supor antecipadamente que uma explicação completa não possa ser obtida desse modo.

Não é entretanto a sutileza ou a complexibilidade desse objeto de estudo a responsável pelo estado relativamente pouco desenvolvido dessa ciência. Muito raramente  foi o comportamento analisado desse modo. Em vez disso, a atenção foi desviada para atividades que supõe-se  ocorram dentro do organismo. Todas as ciências tem a tendência de completar de algum modo as relações causais, especialmente quando os eventos relacionados estão separados no tempo e no espaço. Se um imã perturba a agulha de uma bússola a  uma certa distância, o cientista atribui esse fato a um “campo” estabelecido pelo imã alcançando a agulha. Se um tijolo tomba de uma chaminé, liberando a energia até então nele armazenada durante, digamos, centenas de anos, quando a chaminé foi construída, o resultado é explicado dizendo-se que o tijolo conservou durante todo esse tempo um uma certa quantidade de “energia potencial”. A fim de preencher esses espaciais e temporais entre causa e efeito, a natureza foi dotada , de tempos em tempo, de inúmeras propriedades sobrenaturais, espíritos e essências. Algumas dessas noções demonstraram ser úteis e tornaram-se parte do objeto de estudo da ciência, especialmente quando identificados com eventos observáveis de outras maneiras. Outras foram, ao contrário, perigosas e prejudiciais ao progresso cientifico. Cientistas sofisticados estiveram freqüentemente conscientes de tal prática e atento s a seus perigos. Essas forças internas constituíam na realidade as hipóteses que Newton se recusava  a formular.

Entre condições que afetam o comportamento, os fatores hereditários ocupam uma posição primordial, pelo menos cronologicamente. Diferenças entre membros de espécies diferentes são raramente, se é o são, questionadas, mas diferenças entre membros da mesma espécie, devidas possivelmente a fatores hereditários semelhantes, estão de tal forma ligados a problemas sociais e éticos que se tem tornado o tema de debates intermináveis. De qualquer modo, o organismo recém-concebido começa logo a ser influenciado por seu ambiente, e quando entra em contato total com o mundo externo, as forças ambientais assumem um papel principal. Constituem elas as únicas condições que podem ser mudadas. Entre outros temos, os eventos que chamamos de “estímulos’’, as diversa trocas entre o organismo e o ambiente, como as que ocorrem na respiração e na alimentação, os eventos que dão origem às mudança no comportamento que dominamos de emocional, e as coincidências entre estímulos ou entre estímulos e comportamentos responsáveis pelas mudanças que chamamos de aprendizagem. Os efeitos podem ser observados imediatamente ou somente após a passagem de um certo tempo – às vezes muitos anos. São essas as “causas” – as variáveis independentes – por meio das quais esperamos explicar o comportamento dentro da estrutura de uma ciência da natureza.

Entre inúmeras discussões sobre o comportamento humano, entretanto, essas variáveis são raramente mencionadas de modo explícito. Seu lugar é tomado por eventos ou condições no interior do organismo pelos quais são consideradas responsáveis (ver fig.2).

Assim, a posição especificada do indivíduo é tratada como um conjunto de instintos, não simplesmente como um padrão de comportamentos característicos da espécie, mas como impulsos biológicos. Conforme aparece num texto, “instintos são forças biológicas inatas, necessidades ou impulsos que dirigem o organismo para um certo fim ”. a dotação genética  do indivíduo, quando não relacionada com o tipo físico ou outra característica física observável, é representado sob forma de traços ou habilidades herdadas, como temperamento ou inteligência. Quanto as variáveis ambientais, episódios da vida passada de um indivíduo, são tratadas como lembranças e hábitos, enquanto certas condições de trocas entre o organismo e o ambiente são representadas como necessidades ou desejos. Determinados eventos incitadores são tratados como emoções, ainda uma vez no sentido de padrões mas de causas ativas do comportamento. Mesmo o ambiente presente, ao afetar o organismo, é transmudado em “experiência”, quando se passa do que realmente é para que “parece ser” para o indivíduo.

O mesmo movimento centrípeta pode ser observado no outro lado do diagrama (ver fig. 3). É raro ver-se o comportamento considerado como tal por direito próprio. E vez disso, é considerado como evidência de uma vida mental, a qual é então tomada como o objeto principal da investigação.  O que o indivíduo faz – a topografia de seu comportamento – é tratado como o funcionamento de uma ou mais personalidades múltiplas, não podem ser elas identificadas com o organismo biológico como tal, mas concebidas, em vez disso como entidades internas de categorias duvidosas. O ato de se comportar numa determinada circunstância é negligenciado em favor de um impulso ou desejo, enquanto a probabilidade do ato como tal é representada como uma tendência excitatória ou em outros termos de energia psíquica. Mais importante do que tudo, as modificações do comportamento, que representam os processos comportamentais fundamentais, são caracterizadas como atividades mentais – tais como pensar, aprender , discriminar, raciocinar, simbolizar, projetar, identificar e reprimir.

 O esquema relativamente simples mostrado na primeira figura não representa portanto a concepção do comportamento humano característica da maior  parte das  teorias atuais. A grande maioria dos que estudam o  comportamento humano presume que está interessada numa série de eventos indicados no diagrama aumentado da fig. 4. Nele as condições hereditárias e ambientais teriam supostamente gerado instintos, necessidades, emoções, lembranças, hábitos  e assim por diante, que, por sua vez, levam a personalidade a empenhar-se em diversas atividades características do aparelho mental e estas por sua vez geram o comportamento observável do organismo. Todos os quatro estágios do diagrama são considerados como objetos apropriados de pesquisa. De fato, em vez de deixar os eventos internos para outros especialistas limitando-se aos termos finais, inúmeros psicólogos e psiquiatras tomam o aparelho mental como seu principal objeto de estudo.

 Talvez agora o significado do título desse artigo esteja tornando-se mais claro. Está o estudo científico do comportamento – quer normal quer psicótico – interessado no comportamento do organismo observável, sob o controle dos fatores hereditários e ambientais, ou no funcionamento de uma ou mais personalidades empenhada em um certo número de processos mentais sob a incitação de instintos, necessidades, emoções, lembranças e hábitos? Não desejo levantar o problema da suposta natureza dessas entidades internas. Não é difícil reconhecer um certo parentesco entre um tal sistema explicativo e o animismo primitivo; mas, quaisquer que sejam as origens históricas desses conceitos, podemos supor que tenham sido depurados de suas conotações dualistas.  Se não for esse o caso se houver alguns que achem que a psiquiatria tem por objeto um mundo situado além do organismo psicobiológico ou biofísico , Que a mente consciente ou inconsciente não possui extensão física, e que os processos mentais não afetam o mundo de acordo com as leis da física, então as razões apresentadas a seguir deveriam ser muito mais convincentes. Mas a questão não diz respeito à natureza desses eventos, mas à sua utilidade e experiência uma descrição científica.

É muito difícil negar que a expansão do objeto de estudo representado pela fig. 4  tenha como resultado a inconveniência da perda da categoria física. Não se trata aqui da perda de prestígio. Um objeto de estudo, que é inquestionavelmente parte da área da física e da biologia, foi abandonado por outro, de características duvidosas. Isso não pode ser simplesmente corrigido pela afirmação de nossa fé na natureza física última dos processos internos. Asseverar que as atividades da mente consciente ou  inconsciente constituem somente num certo sentido um aspecto de funcionamento biológico, do organismo, não fornece resposta à questão prática.

Ao abandonar os sistemas mensuráveis da física e da biologia, abandonamos as técnicas de medida que seriam, em caso contrário, o legado natural das realizações em outras ciências. É bem possível que se trate de uma perda irreparável. Se defendemos a  existência de instintos, necessidade, lembranças e assim por diante, de um lado, e de processos e funções mentais da personalidade, de outro, temos então que aceitar a responsabilidade de projetar métodos de observação desses processos internos e de descobrir sistemas mensuráveis de acordo com os quais possam ser medidos. A perda da oportunidade de medir e manipular à maneira característica das ciências físicas só será compensada por alguma vantagem extraordinária obtida pela consideração de estado ou condições internas.

É entretanto possível argumentar que esses eventos internos são simplesmente maneiras de representar os externos. Inúmeros teóricos sustentam que um hábito é somente um tipo de notação útil no relato de uma porção da história do indivíduo, do mesmo modo que os chamados “processos mentais” constituem maneiras de falar sobre modificações no comportamento. Trata-se da posição tentadora, pois poderíamos então insistir em que os únicos sistemas mensuráveis necessários são os apropriados aos eventos terminais. Mas, se desejarmos adotar essa linha, muito ainda deve ser feito para pôr nossa casa em ordem científica. Os conceitos existentes na teoria do comportamento representam os eventos observáveis de modo extremamente confuso. A maioria deles teve origem em em considerações de ordem teórica ou prática que têm pouca relação com sua validade ou ou utilidade como constructos científicos – e eles carregam as marcas dessa origem. Por exemplo, Freud salientou a importante relação existente entre o comportamento de um adulto e certos episódios de sua infância, mas resolveu preencher o considerável hiato entre causa e efeito com atividades ou estados do aparelho mental. Desejos conscientes ou inconscientes ou emoções no adulto representam esse episódios passados e são considerados como os responsáveis diretos de seu efeito sobre o comportamento. Diz-se então, por exemplo, que o adulto é vítima de uma ansiedade consciente ou inconsciente que teve origem quando, na infância foi punido por agredir um irmão. Mas inúmeros detalhes do episódio anterior ficam encobertos (e podem por seguinte ser negligenciado) ao se atribuir os distúrbios do comportamento a uma ansiedade atual em vez de à punição anterior. O número de referências à ansiedade em tratados sobre o comportamento excede realmente o número de referências a episódios de punição; no entanto, é preciso recorrer a esses últimos para obter detalhes completos. Se os detalhes não estiverem disponíveis, nada pode tomar o seu lugar.

Outros tipos de variáveis independentes fornecem exemplos semelhantes. Todos sabem que em geral os organismos comem ou não comem, dependente de sua  história recente de privação ou ingestão. Se pudermos estabelecer que uma criança não come seu jantar porque acabou de tomar outro alimento, não há mal algum em expressar este fato dizendo “ela não está com fome”, desde que expliquemos em seguida a afirmação recorrendo à história da ingestão. Mas o conceito de fome representa de modo completamente inadequado os inúmeros aspectos dos esquemas de privação e outras condições e eventos que alteram o comportamento de comer. Do mesmo modo, substitutos internos das variáveis hereditárias ultrapassam as fronteiras do permissível. Freqüentemente não temos nenhuma outra explicação para uma porção do comportamento senão a de ser, como outros aspectos da anatomia e da fisiologia, característica de uma espécie; mas quando, em vez disso, preferimos atribuir esse comportamento a um conjunto de instintos, obscurecemos a natureza negativa do nosso conhecimento e sugerimos causas mais ativas do que a posição específica permite. De modo semelhante, aceitamos o fato de que indivíduos diferem em seu comportamento e podemos em alguns casos mostrar uma relação entre aspectos do comportamento de gerações sucessivas, mas essas diferenças e relações são deformadas quando falamos de traços ou habilidades hereditárias. Ainda, o termo “experiência” representa incorretamente nossa informação sobre um campo de estímulos, Já foi observado freqüentemente, por exemplo, que um incidente trivial dá origem a uma reação de todo desproporcional à sua magnitude. O indivíduo parece estar reagindo não ao mundo físico como tal mas ao que o mundo “significa para ele”. Esse efeito pode, entretanto, ser explicado – por exemplo, indicando-se alguma conexão anterior com eventos mais importantes. Mas, qualquer que seja a explicação, é quase certo que não poderá ser adequadamente exprimida pela noção de experiência momentânea. Há dificuldades óbvias envolvidas na representação de um ambiente físico mais uma história passada como um ambiente psicológico atual somente.

No que se refere às nossas  variáveis independentes portanto a prática que estamos examinando tende a encobrir inúmeros detalhes e complexibilidades importantes. A estrutura conceptual oculta a inadequação de nosso conhecimento presente. A mesma dificuldade aparece com relação a variável dependente, quando o comportamento observável passa para segundo lugar em comparação com o funcionamento mental da personalidade. Do mesmo modo que o ambiente físico é transmudado em experiência, o comportamento físico passa a ser descrito em termos de seu propósito ou significado. Um homem pode caminhar por uma rua precisamente da mesma maneira em duas ocasiões; numa, está simplesmente fazendo exercício e na outra vai colocar uma carta no correio. E assim parece necessário considerar não o comportamento como tal mas “o que significa” para o indivíduo que se comporta. Mas, a informação adicional que estamos tentando apresentar não é uma propriedade do comportamento mas sim uma variável independente. O comportamento que observamos nos dois casos é o mesmo. Ao descobrir significados ou intenções nele, estamos especulando sobre alguma de suas causas. Citando outro exemplo, diz-se comumente que podemos “ver” a agressão. Mas nós “vemos” as duas etapas: (1) observamos o comportamento de um organismo  e (2) o relacionamos a variáveis observadas ou inferidas ligadas a conseqüências prejudiciais e ao tipo de circunstâncias que tornam este comportamento provável. Nenhum comportamento é em si agressivo por natureza, embora algumas formas de comportamento sejam tão freqüentemente função de variáveis que as tornam agressivas que ficamos inclinados a passar por alto as interferências envolvidas. De modo semelhante, quando observamos dois ou mais sistemas comportamentais no mesmo indivíduo e os atribuímos a personalidades diferentes, ficamos em posição vantajosa com relação a determinados propósitos descritivos. Por exemplo, podemos então descrever oposições entre esses sistemas como o faríamos entre pessoas diferentes. Mas teremos quase certamente sugerido uma unidade que não está justificada pelos sistemas de comportamentos e muito provavelmente tornamos mais difícil representar a extensão atual de qualquer conflito ou explicar suas origens. E quando observamos que o comportamento de uma pessoa  é caracterizado por uma certa probabilidade de responder e falamos em vez disso de uma determinada quantidade de energia psíquica, negligenciamos inúmeros detalhes dos fatos reais e nos furtamos à responsabilidade de encontrar um sistema mensurável. Finalmente, os processos mentais são quase sempre concebidos como mais simples e mais ordenados do que o material caótico a partir do qual são inferidos e para cuja a explicação são usados. O “processo de aprendizagem” em psicologia experimental, por exemplo, não nos oferece uma explicação acurada das mudanças medidas do comportamento.

Nós procuramos dentro do organismo um sistema mais simples, no qual as causas do comportamento sejam menos complexas do que os eventos hereditários e ambientais objetivos e no qual  o comportamento de uma personalidade seja mais significativo  e  ordenado do que a atividade diária do organismo. Toda a variedade e complexidade das variáveis  de entrada em nosso diagrama parecem ficar reduzidas a uns poucos estados relativamente amorfos, os quais, por sua vez, dão origem a funções da personalidade relativamente amorfas, que subitamente explodem na extraordinária variedade e complexibilidade do comportamento. Mas a simplificação obtida por essa prática é evidentemente ilusória uma vez que resulta somente do fato de não se ter obtido uma correspondência rígida entre eventos internos e externos. É justamente esta falta de correspondência que torna um sistema interno inconveniente para a análise experimental do comportamento. Se a “fome” é algo produzido por determinados esquemas de privação, por determinadas drogas, por determinados estados de saúde e assim por diante, e se, por sua vez, acarreta mudanças na probabilidade de uma grande variedade de respostas, então deve ter propriedades muito complexas. Não pode ser mais simples do que as causas ou seus efeitos. Se o comportamento que observamos expressa simplesmente o funcionamento de uma personalidade, a personalidade não pode ser mais simples do que o comportamento. Se um determinado processo de aprendizagem comum é responsável pelas mudanças observadas num certo número de situações diferentes, então não pode ser mais simples do que essas mudanças. A simplicidade aparente do sistema interno explica o entusiasmo com que o adotamos, mas, do ponto de vista do método científico ela deve ser considerada como espúria, o que já preanuncia o fracasso final do esquema explanatório dessa natureza.

Há outra objeção. Embora a especificação do que acontece dentro do organismo pareça demonstrar o interesse pela completação da cadeia causal, na pratica ela tende a ter o resultado oposto. Certas cadeias permanecem incompletas. O leigo imagina em geral que explicou o comportamento quando atribuiu a algo no organismo – como ao dizer: “Ele foi porque quis ir” ou “Ele não podia ir trabalhar porque estava preocupado com a sua saúde.” Tais declarações podem ter um certo valor ao sugerir a relevância de um conjunto de causas em comparação com outro, mas não oferece uma explicação completa até que se explique porque a pessoa quis ir ou porque a pessoa estava preocupada. Freqüentemente esse passo adicional é dado, mas talvez de modo igualmente freqüente essas explicações incompletas levam a pesquisa a um ponto morto.

Qualquer que seja a maneira pela qual desejamos representar uma seqüência de eventos causais, não podemos satisfazer os requisitos da interpretação, predição ou controle a não ser que retornemos aos eventos que agem sobre o organismo do lado de fora – eventos ademais que são observados como qualquer evento é observado nas ciências físicas e biológicas. Trata-se pois de puro bom senso bem como de boa prática científica o assegurar-se que os conceitos utilizados numa teoria do comportamento sejam explícita e cuidadosamente relacionados a tais eventos. É de uma definição operacional dos termos que precisamos. Isso significa mais que simples tradução. O método operacional é comumente mal empregado para remendar e preservar conceitos acalentados por razoes estranhas e irrelevantes. Entretanto seria possível estabelecer um conjunto de definições aceitáveis de instintos, necessidades, emoções, lembranças, energia psíquica e assim por diante, nas quais cada termo seria cuidadosamente relacionado a determinados fatos comportamentais e ambientais. Mas não temos garantias de que esse conceitos serão os mas úteis quando as verdadeiras relações funcionais forem melhor compreendidas. Nesse estágio um programa mais razoável seria o de tentar explicar o comportamento sem recorrer a entidades explanatórias internas. Podemos fazer isto dentro da estrutura existente da biologia, obtendo-se desse modo não somente uma certa segurança pessoal em termos de prestígio de uma ciência bem desenvolvida mas também um amplo conjunto de práticas experimentais e de sistemas mensuráveis. Evitaremos assim a supersimplificação e a representação inconveniente dos fatos disponíveis porque não tentaremos a transmutação de nossas descrições em outros termos. Os critérios práticos da predição e controle nos obrigarão a tomar em consideração a cadeia causal completa em todos os casos. Um programa dessa natureza não estaria interessado no estabelecimento da existência de eventos inferidos mas na determinação do estado de nosso conhecimento.

Isso não significa evidentemente que o organismo seja concebido como realmente vazio ou que a continuidade entre as variáveis de entrada e saída não sejam finalmente estabelecida. O desenvolvimento genético do organismo e as trocas complexas que ocorrem entre o organismo e o ambiente são os objetos de estudo das disciplinas próprias. Algum dia saberemos, por exemplo, o que acontece quando um estimulo incide sobre a superfície de um organismo e o que acontece dentro do organismo depois disso, numa serie de estágios, o ultimo dos quais é o ponto  em que o organismo atua sobre  ambiente e possivelmente o modifica. Nesse ponto perdemos o interesse na cadeia causal. Algum dia também saberemos com a ingestão de alimentos provoca uma série de eventos, o último dos quais a prender a nossa atenção é a redução da probabilidade de todo o comportamento anteriormente reforçado com alimento semelhante. Algum dia poderemos até mesmo saber como preencher o hiato entre características comportamentais comuns a pais e filhos. Mas todos esses eventos internos serão explicados por meios de técnicas de observação e medidas próprias da fisiologia das várias partes do organismo e a explicação será expressa em termos próprios desse objeto de estudo. Seria sem dúvida uma coincidência notável se os conceitos usados na referência inferencial a eventos viessem a ocupar um lugar nessa explicação a tarefa da fisiologia não é a de encontrar fomes, medos, hábitos, instintos, personalidades, energia psíquica ou atos de vontade, de repressão e assim por diante. E nem é a de descobrir entidades ou processos dos quais tudo que citamos possa ser considerados como outros “aspectos”. Sua tarefa é a de explicar relações causais entre variáveis de entrada e de saída que são de interesse especial para qualquer ciência do comportamento. A fisiologia deve Ter a liberdade de poder fazê-lo à sua maneira. Os sistemas conceptuais atuais tanto falham ao tentar representar as relações entre eventos terminais de modo correto quanto não são capazes de elucidar de um modo conveniente as tarefas dessas outras disciplinas. Um conjunto compreensível de ralações causais estabelecido com a maior precisão possível é a melhor contribuição que nós, pesquisadores do comportamento, podemos fazer na empresa conjunta de fornecer uma explicação completa do organismo como um sistema biológico.

Mas não estamos nós negligenciando uma fonte importante de conhecimento? E a observação direta da atividade mental? A crença em que o aparelho mental possa ser diretamente observado antecedeu a análise científica do comportamento humano de centenas de anos. Foi ela refinada pelos psicólogos introspeccionistas no fim do século dezenove numa teoria do conhecimento especial, que parecia colocar a nova ciência da consciência no mesmo nível das ciências naturais, por meio do argumento de que todos os ciêntistas necessariamente começam e terminam com suas próprias sensações e que o psicólogo simplesmente trabalha com elas de um modo diferente e com diferentes propósitos. Essa noção foi retomada em teorias da percepção recentes, nas quais se sugeriu que o estudo do que s e acostumou chamar de “ilusões de ótica”, por exemplo, forneceria princípios que contribuiriam para a compreensão dos limites do conhecimento científico. Foi também defendido o ponto de vista de que a compreensão empática, de natureza essencialmente intima, que ocorre freqüentemente na psicoterapia, fornece um certo tipo de conhecimento direto dos processos mentais das outras pessoas, Franz Alexander e Lawrence Kubie apresentaram a mesma posição em defesa das praticas psicanalíticas. Entre os psicólogos clínicos, Carl Rogers defendeu ativamente o mesmo princípio. Algo dessa mesma noção pode estar implícito na crença, de que o psiquiatra é capaz de entender melhor o psicótico se, por meio do ácido lisérgico, por exemplo, possa temporariamente experimentar condições mentais semelhantes.

Se o enfoque do comportamento humano que acabei de delinear aqui ignora algum fato básico ou se é incapaz de explicar o “teimoso fato da consciência” são observações que fazem parte de uma disputa venerável que não será resolvida aqui. Dois pontos devem, entretanto ser apontados ao se avaliar a evidência da “introspecção” direta do aparelho mental. O conhecimento não pode ser identificado com o modo como as coisas nos parecem mas sim com o que fazemos com elas. Conhecimento é poder, porquê é ação. De que modo o mundo que nos cerca penetra na superfície do nosso corpo consiste simplesmente do primeiro capítulo da história e não teria nenhum significado se não fosse pelas partes que depois se seguem. Essas tratam do comportamento. A astronomia não consiste em como o firmamento parece ao astrônomo. A física dentro do átomo ou mesmo de eventos macroscópicos a partir dos quais o mundo atômico é inferido. Conhecimento cientifico é o que as pessoas fazem ao predizer e controlar a natureza.

O segundo ponto diz respeito ao fato de depender o conhecimento da história pessoal. Filósofos já declararam insistentemente que não somos capazes de perceber a diferença a não ser que faça diferença; e a evidência experimental até então acumulada há começa a confirmar a hipótese de que provavelmente não saberíamos absolutamente nada se não fossemos forçados a sabê-lo.  O comportamento discriminativo denominado conhecimento surge entre as coisas conhecidas. Assim, muito provavelmente sem nunca nenhuma importância para nos, da mesma forma que nunca ouvimos todos os instrumentos separados numa sinfonia ou vemos todas as cores num quadro a não ser que seja conveniente para nós faze-lo.

Algumas conseqüências interessantes seguem o levantamento desses dois pontos com relação ao nosso conhecimento de eventos dentro de nós próprios. Dificilmente alguém poderá negar que uma pequena parte do universo está contida dentro da pele de cada um de nós e que constitui isso um mundo privado ao qual cada um de nós tem um acesso de natureza especial. Mas, o mundo com que estamos em contato não tem por essa razão nenhuma posição física ou metafísica especial. Ora é certamente necessário aprender a observar ou “conhecer” eventos externos e nosso conhecimento consistirá em fazer algo com eles. Mas a sociedade na qual adquirimos tal comportamento está numa situação desvantajosa. É fácil ensinar uma criança a distinguir entre duas cores por meio da apresentação de cores diferentes e do reforçamento adequado de suas respostas corretas ou incorretas; mas, é muito mais difícil ensinar a distinguir entre diferentes dores ou sofrimentos uma vez que a informação sobre correção ou incorreção de suas respostas é muito menos segura. É essa acessibilidade limitada do mundo sob a nossa pele, em vez de sua natureza, a responsável por tanta especulação metafísica.

Termos que se referem a eventos provados tendem a ser usados de modo inexato. A maior parte deles são, antes de mais nada, tomados de empréstimos da descrição de eventos externos. (Quase todo o vocabulário da emoção, por exemplo, tem origens metafóricas.) As conseqüências são bem conhecidas. O testemunho do individuo sobre seus processos mentais, sentimentos, necessidades e assim por diante é considerado, especialmente pelos psiquiatras, como desprovido de fidedignidade. Sistemas técnicos de termos que se referem a eventos provado raramente mostram semelhanças. Escolas diferentes de psicologia introspectiva enfatizaram diferentes aspectos da experiência e o vocabulário de uma escola pode algumas vezes ser ininteligível para a outra. O mesmo se pode dizer de diferentes teorias dinâmicas da vida mental. O exponente de um “sistema” pode demonstrar uma extraordinária convicção na sua utilização de termos e na sua defesa de um dado conjunto de entidades explanatórias; mas é geralmente fácil encontrar outro teórico mostrando a mesma convicção e defendendo um sistema diferente e possivelmente incompatível. Do mesmo modo que a psicologia experimental já considerou conveniente treinar observadores no uso de termos referentes a eventos mentais também a formação de psicólogos experimentais, educadores, psicoterapeutas e de muitos outros interessados no comportamento humano não está completamente isenta de um certo elemento de doutrina’;cão. Somente desse modo foi possível garantir-se que os processos mentais seriam descritos por duas ou mais pessoas com alguma consistência.

A própria psiquiatria é responsável pela noção de que um individuo não precisa estar consciente dos sentimentos, pensamentos e assim por diante que supostamente afetam seu comportamento. O individuo freqüentemente se comporta como se estivesse pensando ou sentindo de um certo modo embora ele próprio nÃo possa dizer que está fazendo isso. Processos mentais que não têm o apoio de testemunho fornecido pela introspecção são necessariamente definidos e medido em termos dos fatos comportamentais dos quias são inferidos. Infelizmente a noção de atividade mental foi preservada em face de tal evidência com a ajuda da noção de uma mente inconsciente. Teria sido melhor dispensar completamente o conceito de mente como uma ficção explanatória que não sobreviveu ao teste crucial. Os modos de inferência pelos quais chegamos ao conhecimento do inconsciente precisam também ser examinados com respeito à mente consciente. Ambos são entidades conceptuais, cujas relações com os fatos observados devem ser cuidadosamente reexaminadas.

A longo prazo, a solução não será alcançada por discussão, mas pela eficácia de uma dada formulação do planejamento de pesquisa produtiva. Um exemplo de pesquisa com sujeitos psicóticos que enfatiza os termos finais do nosso diagrama é fornecido pelo projeto já mencionado. Não é este o lugar adequado para a apresentação de detalhes técnicos, mas o fundamento lógico dessa pesquisa pode ser relevante*. Nesses experimentos, um paciente passa uma ou mais horas, diariamente sozinho, num pequeno e agradável aposento. Ele não é nunca forçado a ir até lá e tem a liberdade de deixa-lo quando quiser. O aposento contém uma cadeira e um dispositivo semelhante a uma máquina de vender doces o qual pode ser operado por meio da compressão de um botão ou do deslocamento de uma maçaneta. A máquina fornece doces, cigarros ou alimentos substanciosos ou projeta imagens em uma tela translúcida. A maior parte dos pacientes opera finalmente a máquina, são “reforçados” pelo que ela fornece e continuam então a opera-la diariamente, por longos períodos de tempo – possivelmente um ano ou mais. Durante esse tempo o comportamento é reforçado em obediência a vários “esquemas” – por exemplo, uma vez a cada minuto ou uma vez a cada trinta respostas – com relação a diversos estímulos. O comportamento é registrado em outro aposento numa curva contínua; que é lida um pouco à maneira de eletrocardiograma e que permite inspeção e medida imediatas da freqüência da resposta.

 O isolamento desse pequeno espaço de vida não é evidentemente completo. O paciente não deixa sua história pessoal para trás quando entra no aposento e até certo ponto o que faz lá dentro se assemelha ao que faz ou fez em outros ambientes. Entretanto, a medida que transcorre o tempo, as condições estabelecidas pelo experimento começam a compor, se assim se pode dizer, uma história pessoal especial, cujos detalhes importantes são conhecido. Nesse pequeno e obviamente artificial espaço de vida, podemos observar o comportamento do paciente modificar-se a medida que modificamos as condições de reforçamento, da motivação e até certo ponto, da emoção.   Com relação a essas variáveis, o comportamento torna-se gradualmente mais previsível e controlável ou não – como é característico dos pacientes psicóticos – para determinados casos específicos.

O comportamento do paciente pode parecer com o de um ser humano normal ou de um sujeito infra-humano em resposta a condições experimentais semelhantes ou pode diferir de modo simplesmente quantitativo – por exemplo, o registro pode ser normal exceto por uma mais baixa freqüência total. De outro lado, o desempenho pode ser rompido por breves episódios psicóticos. O controle experimental é interrompido pela intrusão de comportamento estranho. Em alguns casos foi possível reduzir ou aumentar o tempo dessas interrupções e determinar quando ocorreriam as durante as sessões. Com esse trabalho semelhante com outros organismos, a observação continua quantitativa do comportamento de um indivíduo sob controle experimental fornece uma linha de base altamente sensível para a verificação dos efeitos de drogas e de diversos tipos de terapia. Para nossos propósitos presentes, entretanto, o importante é o que nos permite aplicar ao psicótico uma formulação do comportamento completamente rigorosa, baseada sobre trabalho muito mais extenso sob condições de controle muito mais propícias realizado com outras espécies. Essa formulação é expressada em termos de variáveis de entrada e de saída sem referência a estados internos.

Foi algumas vezes apresentada a objeção de que pesquisas desse tio reduzem o ser humano à categoria de um animal de pesquisa. A evidência crescente do caráter determinado do comportamento parece somente tornar a objeção muito mais conveniente. A pesquisa médica já enfrentou esse problema antes e deu-lhe uma resposta que também podemos usar aqui. Graças ao trabalho paralelo com animais, foi possível, em alguns casos pelo menos, produzir comportamentos mais saudáveis em seres humanos, mesmo se nessa fase não estamos diretamente interessadas em tais resultados.

Outra objeção comum consiste em afirmar que obtemos nossos resultados somente por meio de uma supersimplificação de condições e que, portanto, não são aplicáveis a vida diária. Mas é sempre preciso simplificar no início de um experimento. Já começamos a tornar nossas condições mais complexas e continuaremos nessa direção tão rapidamente quanto permita a uniformidade dos resultados. É possível complicar a tarefa do paciente de modo ilimitado e conceber não somente tarefas intelectuais complexas mas também interações entre sistemas de comportamento como as que aparece na psicologia dinâmica de Freud.

Uma simplificação algumas vezes criticada é a ausência de seres humanos nesse pequeno espaço de vida. Foi essa, evidentemente, uma medida preliminar deliberada, uma vez que é muito mais difícil controlar a estimulação e o reforçamento sociais do que os mecânicos. Mas já estamos partindo para situações em que um paciente observa o comportamento de outro operando um dispositivo semelhante ou observa que o outro paciente recebe um reforço sempre que ele recebe um e assim por diante. Em outro caso, o paciente só é reforçado quando seu comportamento corresponde de algum modo ao comportamento de outro. Técnicas para obtenção de competição e cooperação extraordinariamente precisas já produziram bons resultados com organismos inferiores e são aplicáveis nas circunstâncias presentes.

É evidente que esse projeto apenas tocou a superfície do comportamento psicótico. Mas, a julgar pelo que foi obtido, parece nos ter demonstrado o valor de limitar-se aos dados observáveis. Quer sejam eles considerados significativos ou não, os dados que reportamos possuem uma qualidade especial de simples objetividade. Pelo menos podemos dizer: isso é o que um sujeito psicótico fez nessas circunstâncias e isso é o que não fez em circunstâncias que teriam tido um efeito diferente não fosse ele psicótico.

Embora tenhamos sido capazes de descrever e interpretar o comportamento observado nesses experimentos sem referência a eventos internos, essas referências não são evidentemente proibidas. Outros poderão preferir dizer que o que estamos de fato fazendo é manipular hábitos, necessidades e assim por diante, e observar mudanças na estrutura da personalidade, na força do ego, na quantidade de energia psíquica disponível e assim por diante.  Mas a vantagem desse procedimento sobre uma descrição mais parcimoniosa torna-se menos facilmente demonstrável, à medida que a evidencia da eficácia de uma formulação objetiva vai pouco a pouco se acumulando. Nesse futuro brilhante no qual a pesquisa em psiquiatria começa a se encaminhar, devemos estar preparados para a possibilidade de que ênfase crescente seja colocada sobre dados imediatamente observáveis e para a necessidade de as teorias do comportamento humano se ajustarem de acordo com isso. Não é improvável que o aparelho mental e tudo que o aplica seja esquecido. Será então muito mais do que uma hipótese de trabalho dizer que o comportamento psicótico – voltando agora finalmente ao meu título – como todo e qualquer comportamento, constitui parte do mundo de eventos observáveis, ao qual se aplicam os métodos poderosos da ciência natural e para cuja compreensão mostrarão ser adequados.

Inpa – Instituto de Psicologia Aplicada, Asa Sul, Brasília – DF, Brasil.

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